Crônicas do mundo micro
A ideia é contrapor fatos do cotidiano à notícias do dia veiculadas pela grande mídia.
A vida no Brasil anda cara. Todo mundo sabe disso. Tendo que viajar ao interior de São Paulo, pra região de Ribeirão Preto, optei por uma alternativa mais econômica, e ao invés de viajar em linha convencional de ônibus, me meti numa semi-aventura com uma companhia que transporta sacoleiros do interior que fazem bate e volta no Brás.
Pra ser sincero, devo dizer que essa opção não é minha preferida. O ônibus sai com atraso, o serviço é ruim, o veículo vai abarrotado de sacolas e sacoleiros, todos misturados por falta de espaço no bagageiro, etc...
Ao entrar no ônibus, tendo me acomodado com alguma dificuldade no assento que me tinham reservado, desabafei com a senhora da poltrona ao lado:
- Difícil ser pobre, hein...
Ela confirmou meu comentário com um sorriso simpático.
E, como a desconhecidos o assunto de conversas como essas sempre seja ocupado por observações climáticas, principiamos a falar da garoa e do tempo ligeiramente frio daquele fim de tarde paulistano.
A senhora falava do clima em Franca, seu destino, e dizia que por lá o tempo era propício à colheita do café.
- A senhora colhe café?
- Colho.
Foi então que minha curiosidade falou mais alto e quis saber do cotidiano dos cafezais, dos horários de colheita, etc.
A senhora se apresentou. Dona Josefina, 49 anos. Se me dissesse ter 60, eu acreditaria com naturalidade. Tomara que ela não tenha notado espanto no meu olhar. Tinha feição de mulher sofrida, rosto enrugado e queimado do sol, cabelos compridos e o bonito sorriso de uma providencial dentadura.
Dona Josefina me contou ser de Minas Gerais. Viera passar uma temporada na casa de um dos seis filhos, com o intuito de colher café por uns meses, pra ocupar o tempo ocioso do desemprego advindo de uma safra não muito promissora em sua cidade.
Voltava da casa de outro filho, que agora constrói uma casa em Francisco Morato, região da grande São Paulo, e ao chegar em Franca, se encontraria com seu caçula, sua única companhia depois da viuvez que veio três anos atrás.
O ônibus saiu da cidade e tomou a rodovia. Dona Josefina cochilou e eu fiquei contemplando um lindo pôr do sol detrás da paisagem de montanhas verdes. Fiquei imaginando as pessoas que nessa hora voltam dos cafezais pra suas casas, do pouco tempo que tem pra aproveitar a companhia da família antes de dormirem e levantarem lá pelas quatro da manhã, tendo de fazer tudo de novo no dia seguinte.
De manhã, pela TV, havia visto Dilma receber o primeiro-ministro chinês em reunião solene de acordos bilaterais.
Agora eu via o céu alaranjado por cima da estrada, de dentro de um ônibus cheio de gente, ao lado da minha nova amiga agricultora...
Ser pobre é difícil. Mas dignidade não se compra. Melhor ser pobre e passar despercebido do que ser presidente de uma semi-colônia e fechar os olhos diante da miséria alheia.
Ou... melhor ser pobre e passar despercebido do que ser burocrata de um governo que se diz comunista e que esfola sua gigante população pra se manter no primeiro lugar da economia mundial.
Na esfera macro dos acontecimentos há muita pompa e negociatas. Já imaginaram dona Dilma pegando no pesado e viajando cinco horas num ônibus apertado?
MÁRIO MEDINA
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