Quando lemos os jornais e observamos as cifras milionárias que envolvem o futebol da atualidade, algumas vezes podemos esquecer que nem sempre o esporte preferido do brasileiro foi assim, tão rico. No passado o futebol em muitos momentos era bastante amador, sem patrocinadores e parcos recursos. E foi naquela época, talvez, que o amor aos times fosse ainda mais apaixonado.
E era com muita paixão e carinho que muitas pessoas se envolviam com o futebol, diretamente e indiretamente. Eram pessoas que trabalhavam como roupeiros, massagistas e , evidentemente, cozinheiras. Afinal jogador de futebol precisa comer e estar bem alimentado para aguentar os 90 minutos de bola rolando.
E se existiu uma pessoa que merece ser lembrada pelo seus feitos na cozinha de um clube de futebol, ninguém melhor que a figura de Catharina Serroni:
Figura até hoje lembrada pelos corredores do São Paulo Futebol Clube, Catharina Serroni era filha de imigrantes italianos e nasceu em 1909. Quando pequena estudou em um grupo escolar na região da Consolação, já que morava bem próxima dali na Avenida Rebouças. Aliás, segundo ela naquela época a hoje quase intransitável Rebouças "era Mixuruca, não tinha quase casas".
E se ela era tranquila em 1939, como na fotografia abaixo, imagine um pouco antes quando Catharina ainda era criança ?
Sua relação com o São Paulo Futebol Clube iria começar apenas depois de seu casamento, ocorrido em 1926. Catharina muda com o marido para o bairro do Brás, em uma casa da rua Oriente. Antes de se dedicar ao futebol, trabalha na companhia telefônica da cidade.
Foi na década de 30 que o convite para trabalhar no tradicional clube paulista iria surgir. Seu marido era muito amigo do então presidente do clube, Manoel Carmo Mecca, e esta proximidade a levaria ao São Paulo.
Foi nesta mesma década que Catharina muda do Brás para o Pari indo morar na rua Juruá. Sua casa já não existe mais, mas a vizinha, bem parecida, ainda está por lá e pode dar uma idéia das residências daquela época:
Começava nesta época uma vida totalmente dedicada ao São Paulo Futebol Clube. Trabalhando como cozinheira para o elenco de futebol, em uma época que as coisas no mundo da bola eram muito mais difíceis, Catharina se consagrou entre os jogadores, comissão técnica e diretoria. Todos adoravam sua comida e não era raro alguns jogadores irem comer em sua casa na rua Juruá.
Durante a Copa de 1950, realizada no Brasil, Catharina teria uma função ainda mais importante: cozinhar para a seleção uruguaia de futebol. Nossos vizinhos optaram por se concentrar no Canindé, então dependências do São Paulo.
Ela contou em seu depoimento ao Museu da Pessoa que os jogadores do Uruguai eram focados no objetivo de ganhar a Copa do Mundo e que gostavam de comer muita carne, além de macarrão e sopa. Os uruguaios também foram algumas vezes almoçar em sua casa.
Os laços entre o Uruguai e o São Paulo Futebol Clube durante a Copa do Mundo de 1950 foram tão fortes, que em algumas partidas da copa o goleiro uruguaio Paz usou uma camisa de goleiro do tricolor, como mostra a foto abaixo:
Dona Catharina despediu-se do selecionado uruguaio no dia 14 de julho de 1950. Foi nesta data que eles partiram para o Rio de Janeiro para disputar a final com o Brasil. Em um Maracanã absolutamente lotado, derrotaram o Brasil em casa e levaram para Montevidéu seu segundo título mundial.
Semanas depois do término da copa, chegava na casa de Dona Catharina um pacote enviado do Uruguai. Gratos pela excelente comida servida ao elenco uruguaio e ao carinho com que foram recebidos por ela, enviaram no pacote dois presentes: um álbum com fotos do time campeão e duas passagens para para visitarem Montevidéu por 15 dias.
Seu dom incomparável na cozinha e sua dedicação aos jogadores e ao São Paulo Futebol Clube não terminariam na fase que o clube esteve no Canindé. Catharina Serroni acompanharia o clube em sua nova casa, no Morumbi, e seguiu cozinhando para os atletas.
Foi nessa época que grandes ídolos de outros clubes como o astro corintiano Rivellino e nada menos que o Rei Pelé frequentaram o refeitório do tricolor apenas para provar sua deliciosa comida. Seus dons culinários foram saboreados pelos atletas são paulinos até meados da década de 70 quando Dona Catharina parou de trabalhar.
Mais que uma cozinheira, Dona Catharina é um exemplo de mãe e mulher batalhadora que todos, independente do clube que torcemos, temos de nos orgulhar. É de uma época que rivais eram apenas dentro de campo, pois fora deles todos eram amigos.
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