Lendas urbanas - a cidade e seus personagens
Matéria de Jorge Zodbi
O hamiri e a pizza
No bairro do Pari, na esquina da rua Mendes Gonçalves com a rua Silva Telles, em um grande terreno, nos idos de 1920, ficava a loja de tecidos e armarinhos de meu avô, um imigrante fenah (Fenicio), libanês.
Um dos clientes da loja era um italiano, Sr. Giordano, que possuía uma venda e confeitária na Rua Direita, no centro de São Paulo.
Como Napolitano, tentou nos idos de 1916 a 1918, melhorar suas vendas fazendo pedaços de Pizza, como ele conhecia na sua terra, onde se diz que a pizza é o pão dos pobres.
O negócio não durou muito, e não deu certo. Tinha problemas com a farinha de trigo, fabricada pelos Matarazzo, diferente da farinha Italiana, feita do grano duro. Além disso, o fermento de padaria existente na época produzia uma massa pesada, em nada parecida com a que ele conhecia na "Napole mia".
Não se sabe ao certo como tudo ocorreu, mas em uma de suas visitas à loja de tecidos, Rafael Giordano foi servido ou ficou sabendo de como as mulheres da casa faziam Quimeche, um pão de leite árabe leve e delicioso. Como elas conseguiam aquele resultado, com aquela farinha maledeta? ele perguntou ao meu avô.
Ele foi levado à ampla cosinha da casa, onde minha tia Carmem lhe mostrou como elas trabalhavam a massa de pão. Giordano viu como usavam não fermento químico, mas orgânico, com "Hamire Xair ", a levedura da cevada, que era hidratada colocando-se um pouco de "Mahssal", o soro de leite, que sobrava quando faziam "Laben", a qualhada e o iogurte.
Rafael nunca usou comercialmente sua descoberta, mas ensinou-a a seu ex-funcionário, o espanhol Valentim Ruiz e outros amigos conterrâneos.
A era de ouro da Pizza Paulistana, entre 1930 e 1950, foi gerada por esses senhores.
Valentim se tornou Pizzaiolo no Brás, da Pizzaria Santa Cruz, na Celso Garcia, esquina com a rua Bresser. O sucesso foi imediato, a fila para entrar na Santa Cruz dobrava o quarteirão. A qualidade deliciosa das pizzas atraiu fregueses famosos que assinavam o livro de visita da casa. O cantor Orlando Silva, o então deputado Jucelino Kubistchek, Ademar de Barros e outros.
A ex-deputada Ivete Vargas, além de registrar dedicátorias extremadas para Valentim, fazia questão de ficar na cozinha ao seu lado, enquanto ele preparava a massa.
Outro mestre pizzaiolo foi Etore Siniscalchi, que fundou em 1929 a Pizzaria e Ristorante Castelões, na Rua Jairo Gois, esquina com a Rua do Gasômetro. A pizza redonda e macia de massa grossa e bordas altas atraía fregueses fanáticos: - Tinha um senador que mandava embrulhar umas três para viagem, tomava o avião para o Rio e só ia comer no dia seguinte. Outros percorriam o Brás inteiro até descobrir onde fica a pizzaria.
Outro "amichi" de Rafael foi Babbo Giovani Tuzzato, fundador da casa que levava seu nome. Ele, como os outros, salientava a técnica aprendida. - É preciso carinho ao cuidar da massa, sentir e dar vida ao mexer com ela. Mais importante ainda: é preciso deixá-la descansar. Senão, ela fica enervada e não cresce direito.
Quando esteve no Brasil, o ex-campeão de Boxe Primo Carnera fez questão de experimentar e faturou duas gigantes. Como ele, Tito Schipa, Beniamino Gigli e Lausone Lage, mundialmente famosos cantores de ópera, ao acabarem as apresentações, saíam do Teatro Municipal e iam em busca do Brás e suas pizzas.
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