José Rielli, o sanfoneiro italiano de coração verde e amarelo
Por Thais Matarazzo
Jornalista, escritora e pesquisadora musical
thmatarazzo@gmail.com
Revista de Cultura Artística de Piracicaba.
O compositor e instrumentista, José Rielli ou Giuseppe Rielli, nasceu na cidade de Pontedera, província de Pisa, na Itália, aos 19 de novembro de 1885. Ao completar sete anos de idade, em 1892, imigrou com sua família para o Brasil. Desembarcaram no porto de Santos e seguiram viagem até a cidade de Itu, interior de São Paulo, onde o garoto José aprendeu as primeiras letras e fez a 1ª comunhão.
Aos 10 anos começou a demonstrar pendores artísticos. Foi quando o organista da igreja matriz Nª. Srª. Da Candelária, em Itu, que acompanhava ao harmônio os cânticos religiosos das crianças, nas missas dominicais e aulas de catecismo, compreendeu a tendência musical do menino e interessou-se em ensinar-lhe os primeiros passos musicais.
José gostava de tocar as músicas caipiras, quadrilhas, valsas e choros, tão populares naquela época. É importante salientar que José Rielli considerou sempre Itu como sua cidade natal, que ele tanto amou e, em homenagem a ela, compôs a belíssima valsa Recordações de Itu, em 1915.
Aprendeu também o ofício de marceneiro, tendo continuado, paralelamente, a estudar piano e harmônica. Desenvolveu a arte de conserto e afinação de pianos e harmônicas.
Por volta de 1908, a família Rielli transferiu-se para a capital bandeirante, indo residir no bairro do Brás, reduto de imigrantes italianos.
Em 1914, José Rielli foi o primeiro a gravar solos de harmônica em discos Odeon, da Casa Edson, de Fred Figner, no Rio de Janeiro. Rielli fez sucesso com a valsa Saudades da Lapa e a mazurca As margens do Tietê, ambas de sua autoria.
O artista viajou por todo o Brasil. Fez muitos shows em circos, teatros e pavilhões. Alegrou muitos bailes da comunidade italiana em São Paulo. Dedicava-se, sobretudo, ao palco, na execução de páginas líricas, aberturas e trechos de óperas clássicas, músicas populares e sucessos do momento em solos de acordeão, apresentando-se no Teatro Colombo e no Theatro Municipal de São Paulo, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, além de outros.
O musicista além das atividades artísticas, também ministrava aulas em sua casa e era afinador de piano e acordeão. Em 1910, casou-se com a jovem Olga Frizzi (brasileira naturalizada) e foram residir no bairro do Pari. Tiveram quatro filhos, Emílio, Adelmo, Hélio Silvio e Oswaldo.
Respirava-se música no lar da família Rielli! Todos os filhos se dedicaram à música. Somente Emílio, conhecido como Rielli Filho, e Oswaldo, o Rielinho, trabalharam como músicos profissionais. Foi o pai quem deu as primeiras aulas de música aos filhos. Depois, os meninos aperfeiçoaram seus estudos no Conservatório Dramático Musical de São Paulo.
Desde cedo, os quatro filhos colaboravam com o pai em festivais beneficentes, como solistas de harmônica, na paróquia de Santo Antonio do Pari. Oswaldo Rielli, mais conhecido como Rielinho, tocava órgão nas missas dominicais daquela matriz.
A partir de 1927, passou a integrar o Sexteto Piratininga, primeiro conjunto do qual participou, e com o qual gravou as valsas Rapaziada do Brás e Luar de São Paulo, ambas de Alberto Marino. No mesmo período, gravou a rancheira Arminda, a valsa-choro Saudosa Araraquara e a mazurca Stella, todas de sua autoria.
José Rielli foi pioneiro do rádio paulista, em 1923, ao lado de Paraguassu, Raul Torres, Arnaldo Pescuma, Canhoto e outros artistas. Atuou nas rádios Educadora Paulista, Cruizeiro do Sul, Cosmos, Record e Difusora.
Em novembro/1931, José Rielli participou do filme Coisas Nossas, dirigido por Wallace Downey, considerado o primeiro filme brasileiro em forma de revista. Faziam parte do elenco: Procópio Ferreira, Baptista Júnior, Sebastião Arruda, Arnaldo Pescuma, Piolin, Calazans, Ratinho, Cornélio Pires, Paraguassu, Jayme Redondo, Helena Pinto de Carvalho, Zezé Lara, Stefana de Macedo, Corita Cunha, Príncipe Maluco, Albaninho, Alcebíades Barcellos, Cléo de Verberena e os músicos: Pilé, Zezinho, Petit, Pinheirinho, Atílio Grany, Napoleão Tavares, Jazz Band Columbia e o maestro Gaó.
Em 1932, como integrante da Orquestra Colbaz, regida pelo maestro Gaó, gravou diversas composições de Zequinha de Abreu, entre as quais, as valsas Nossa padroeira, Amando sobre o mar e Branca, e os choros Pintinho no terreiro e Tico-tico no fubá. No mesmo ano, gravou pela Columbia, a valsa Alma dolorosa e a mazurca Olga, ambas de sua autoria.
Em 1937, organizou a primeira Orquestra Típica Argentina no Brasil, a maior e melhor orquestra do gênero em nosso país, denominada Orquestra Típica Rielli, dirigida pelo professor e maestro Emílio Rielli ao piano, com Oswaldo Rielli ao bandoneon, Adelmo Rielli também ao bandoneon, além de outros músicos e cantor. Esta orquestra atuou nos teatro, clubes e também na Rádio Piratininga.
Rielli participou de "duetos" de acordeões com seu filho Oswaldo Rielli (Rielinho) em diversos programas na Rádio Cruzeiro do Sul paulista em rede com a Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro. Atuou ainda na Rádio Difusora, no programa Hora da Saudade.
Os programas dedicados às músicas caipira e sertaneja no rádio tinham ampla aceitação entre os ouvintes paulistanos desde a década de 1930, visto que a população da Pauliceia era formada em grande parte por gente oriunda da zona rural, brasileiros e estrangeiros. A maioria vinha em busca de melhores condições de trabalho e sobrevivência na capital. Alguns desses ritmos interioranos vieram aglutinar-se com a música urbana.
O compositor e cantor Raul Torres, em 1942, passou a apresentar na Rádio Record o programa Os Três Batutas do Sertão. Composto por Raul, no violão; José Rielli, na harmônica, e Florêncio, na viola caipira. O programa permaneceu no ar por 28 anos. Foi líder de audiência nas noites de segundas, quartas e sextas-feiras. Nele foram revelados muitos talentos, como a dupla Cascatinha e Inhana, em 1948.
Sobre a popularidade deste programa, reproduzimos aqui um anúncio de 1945: "Consagrados pelo público do Brasil, que tem ouvido e aplaudido os Três Batutas do Sertão, Torres, Florêncio e Rielli, artistas exclusivos do Sabão Minerva, são merecidamente, os mais queridos intérpretes da nossa música regional. Suas composições e interpretações inesquecíveis, plenas de melodias doces e da poesia sentimental e espontânea, falam diretamente ao coração com aquela simplicidade e meiguice que tão bem caracterizam a alma boa e pura da gente do interior... E o grande sucesso do programa do Sabão Minerva, ouvido em todo Brasil, pela Rádio Record, é a afirmativa absoluta da exaltada admiração que contam os Três Batutas do Sertão por parte de milhares de radio ouvintes".
Autor de lindas canções, Rielli deixou gravado algumas dezenas de discos 78 rotações. Gravou ainda na etiqueta Columbia, em 1930, na Artefone, e em discos Continental, de 1942 a 1946, obtendo grande sucesso de vendas. Citamos mais algumas das suas gravações: Alma dolorosa, Olga (homenagem a sua esposa), Rapaziada de São Caetano, Alegrias da primavera, Céu brasileiro, Saltitante, Doces carícias, Acerte o passo, Lamentos, De mi ventana, El quapo torero, Lírios da catedral, Saia rodada entre outras.
Editou o 1º, 2º e 3º Álbuns de Adaptação para Acordeão de 12 a 120 Baixos, intitulados Minha Harmônica, cujas músicas são todas de sua autoria.
Em 1946, gravou com Raul Torres e Florêncio, um de seus maiores sucessos, o arrasta-pé Feijão queimado, de sua autoria e com letra de Raul Torres, sendo ainda hoje uma das músicas mais executadas em festas juninas.
José Rielli veio a falecer na sua casa, à Rua Thiers, nº 674, na madrugada de 22 de março de 1947, aos 62 anos. O sepultamento ocorreu no cemitério do Brás (mais conhecido como "Quarta Parada"), em São Paulo. A missa de 7º dia, realizada na paróquia de Santo Antônio do Pari, compareceram muitos colegas do artista.
Raul Torres, sentindo profundamente a perda de seu amigo e colega, escreveu um poema intitulado Homenagem ao velho Rielli, lido na Rádio Record alguns dias após o passamento do safoneiro italiano:
Um silêncio de um minuto
Nossa viola está de luto
Está de luto o meu sertão;
E você, Rádio Paulista,
Perdeu mais um artista,
Que alegrava os corações.
Esse nosso companheiro
Que este Brasil inteiro,
Soube tão bem aplaudir,
Eu digo, é dura a verdade,
Chorando a dor da saudade
Estamos nós dois aqui.
A sanfona tristonha
Eu sei que hoje ela sonha
Com o seu Dono querido.
Porque até o instrumento,
Eu sei que tem sentimento
Quando se vê esquecido.
Já não se escuta a chorosa
Sanfona sempre saudosa
Tocando uma valsa triste.
O mestre Rielli descansa,
E nós teremos lembrança
Porque ele já não existe.
Rielli, meu velho amigo,
Deus há de dar-te um abrigo.
Lá no céu pra descansar.
Porque nós dois neste mundo
É com sentimento profundo
Que precisamos cantar.
A homenagem derradeira,
Desta dupla companheira
Em sinal de gratidão.
É o silêncio de um minuto
Nosso Rádio está de luto
E os dois "Batutas do Sertão".
Os Três Batutas do Sertão passou a contar com a participação de Rielli Filho.
Este belo texto é da Thais Matarazzo, não é pariense de nascença mas é de coração. A Thais é uma Jornalista das mais capacitadas e
como Pesquisadora exerce com rara maestria as suas atividades.
Uma defensora e divulgadora da cultura brasileira, mas estende suas pesquisas a culturas de outras nações também, haja vista suas
atividades no tradicional Clube Português.
Para nós , nativos do Pari é motivo de grande orgulho , ter em nosso blog , o texto fluente, a palavra fácil, a inspiração da Thais Matarazzo.
Jayme Antonio Ramos
historiasdopari.wordpress.com
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