Resolvi exercitar o meu português e escrever as histórias que acontecem na viagem.
Vim pra Londres para não ficar pensando na morte da bezerra em Odense, dado que o Natal sempre é uma época difícil sem a família.
Estamos eu, Eugênia e Tarik, alugando dois quartos em Bethnal Green. O cara que mora aqui falou que é um lugar "trendy", mas por enquanto só vi imigrantes. Eu prefiro imigrantes a jovens hipsters, mas "trendy" é o novo jeito de falar gueto?
DIA 1
No caminho de Odense ao aeroporto de CPH, um casal idoso com uma mala gigante estava falando sobre se a mala caberia ou não em x lugar, quando um homem (visivelmente bêbado) vira pra eles e fala "idiots!". Como ele parecia, pelo jeito que olhava as pessoas e se mexia, ser deficiente mental, eu pensei que era tipo um filho ou neto deles, e por isso que eles só olharam e ignoraram esse comentário rude. O cara ficava fazendo caretas, falando besteiras, e fazendo gestos obscenos ao léu. Depois de um tempo, esse mesmo ser continuou a reclamar que a mulher estava sentada do lado dele, e ele não poderia mais deitar, então muito polidamente ela levantou e deu espaço pra ele passar. Depois de sentar no banco atrás do deles, ele jogou o próprio boné neles… e eles riram, e jogaram de volta. "Ah, deve ser o filho deles mesmo", eu pensei. Alguns minutos e ofensas depois, ele voltou a sentar no lugar original, porque "ele estava pagando pra isso" – ou seja, havia pago um ingresso com assento reservado, por mais que o trem estivesse só metade cheio. De repente, a mulher começa a gritar com ele e falar pra ele parar, que ele a estava perturbando – tudo isso em inglês. Esse cara falava inglês e dinamarquês fluentemente, e ela com sotaque do leste europeu.
O cara: – what's your problem?
-YOU! YOU are my problem!
- oh sweetheart…
- Don't "sweetheart" me!
- e o que você vai fazer sobre isso?
- você quer que eu te mostre o que eu vou fazer?
- yeah…
ELA VOA em cima dele e com as duas mãos, o arranca do lugar e o joga no chão. O vagão inteiro CHOCADO e eu, que estava tentando evitar olhar até então, desisti e olhei: ele caiu como uma geléia no chão, todo torto. Demorou alguns segundos pra levantar, e com uma cara de bravo foi devagar pra cima dela… e ela continuou empurrando até ele sair do vagão, enquanto um dinamarquês idiota ia gritando "relaxa, relaxa" (como se ela fosse a culpada), e voltou a sentar. Nervosamente, ela comentou que ele "ficava tocando" nela. Foi aí que eu percebi que eles não eram relacionados, mas que o casal tinha sim tido muuuuita paciência com um estranho.
As senhoras que trabalham no trem vieram perguntar o que houve, e o bêbado disse que ele não havia feito nada – além de mala, era covarde. Tudo foi esclarecido, e o palhaço havia sentado no mesmo lugar de antes e se recusava a sair, então o casal se mudou. O cara foi se acalmando, enquanto falava que ia matar a mulher quando ela pisasse na plataforma, chamando-a de bitch etc. – sendo que o casal estava ouvindo tudo. Umas duas estações depois, dois policiais entram no trem e simplesmente o mandam levantar e sair com ele. Ele tem a cara de pau de perguntar porquê, e eles se limitam a repetir a ordem. Ele fica todo pianinho, até que ao passar ao lado dela ele a chama de "f***ing b***h"de novo.
Devo acrescentar que o homem do casal não fez absolutamente NADA enquanto tudo isso se passou, além de olhar feio pro mala.
A história inteira, enquanto se desenrolava, parecia um filme ou sonho. Era tragicômico acompanhar.
Por que eu contei tudo isso? Principalmente por duas coisas: eu percebi que estou mais inserida na sociedade dinamarquesa que achava. Uma história dessa em São Paulo não me chocaria tanto quanto chocou, nada além de um evento quase até cotidiano. As pessoas aqui, e acho que na Escandinávia em geral, não interagem tanto com estranhos. Na fila de qualquer lugar, em ponto de ônibus, no próprio ônibus: um sorriso ou um "que tempo louco, né?" já dá pra conversar com o brasileiro do seu lado. Aqui as pessoas ou ignoram, ou dão um sorriso sem graça e olham pro outro lado.
Outro dia estava andando na estação central de Copenhague e ouvi uma brasileira falando que a natureza chamava, e não pude deixar de sorrir. Ela percebeu, já puxou assunto, contamos nomes e histórias de migração, e foi muito simpática. O que eu mais sinto falta do Brasil em si, é isso. A humanidade é diferente.
DIA 2
Acordamos doentes e não fizemos nada, além de ir no mercado e assistir Netflix. Não foi uma perda de tempo porque o clima estava horrível lá fora, e pudemos repor as energias. Dentre os filmes que assistimos, um era de terror e ainda é nosso assunto de vez em quando – os vidros das janelas dessa casa não são muito bem selados, então às vezes parece que o boogieman/homem do saco está vindo nos pegar
DIA 3
Passeamos pelo Hyde Park e Kensington Gardens, onde encontramos o Mario do ERESP correndo – muito louco encontrar um colega de trabalho numa cidade assim enorme, até sem saber que ele estava morando aqui! Também vimos o Palácio de Buckingham, e me deu muita saudade do querido amigo que me levou lá primeiro, o Vini – a última vez que estive em Londres foi com ele, e várias vezes me pego lembrando dos nossos momentos de riso. Já tinha ido à Trafalgar Square, mas é sempre gostoso recarregar as energias lá e assistir as pessoas que passam. Achei bonito o monumento à Princesa Diana, mas tenho certeza que o apreciaria mais no verão.
O que mais me lembro é o monumento ao Príncipe Consorte Albert, que é um delírio de grandeza absurdo e risível. Com estátuas simbolizando os quatro continentes ao redor, e ele em ouro, parece que ele salvou o Universo de um ataque dalek, o que me leva ao dia seguinte…
Cíntia G. Ramos
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