Herculano e Ludmilia viviam uma vida pacata. Casados há mais de 30 anos, os filhos casados e morando no interior do estado.
Era um casal tranquilo, seria um modelo de casamento feliz, não fosse…
Sim , lá vem esse não fosse para atrapalhar tudo.
Como dizia, o não fosse chamava-se Orestes Campos. Outro pacato cidadão, solteirão convicto, digno representante comercial de uma grande multinacional do setor de cosméticos. Era um verdadeiro gentleman, um lord, tal sua elegância, sua polidez no trato com as pessoas , em particular com as mulheres.
Todas as noites Orestes vinha visitar o casal Herculano/Ludmília, claro, pontualmente , às 20,42 hs. , nem um minuto a mais ou menos e se retirava às 23.47 hs. britanicamente pontual. Nos meus 14 , 15 anos de idade e durante anos a fio, essas visitas eram diárias, exceção feita quando algum dos tres filhos estivessem na casa dos pais e para tal eles tinham que avisar com antecedência, sabe como é dizia Lud, "eu gosto de fazer uma comidinha especial para voces meus filhinhos ".
Para complicar a história , Herculano quando vinha do trabalho de funcionário público da Secretaria da Educação, perguntado se havia visto o jogo no dia anterior , ele dizia que não , que dormia muito cedo, logo depois do Reporte Esso, na TV Tupi, com o querido Kalil Filho ( casado com uma pariense, filha do sr. Vasco da venda da Virgílio ),ou seja 20.15 hs. Bingo ou tchincoina !como se dizia nos jogos de loto familiares da época. Pronto, fechou o círculo, foi o que todo mundo pensou e as conclusões foram tiradas e segundo o povo falava , mais um chifrudo no pedaço e a vida continua.
Porém , ai porém! ( segundo Paulinho da Viola), tinha que ter um porém nesta altura da história?. Se tinha ou não , eu não sei, eu já disse e repito, não sou eu que invento as histórias, elas existem ou existiram, eu apenas faço adaptações , para não magoar ninguem. Fala Paulinho da Viola, "porém , ai porém !" uma noite de fevereiro, um calor infernal , em virtude de um enfarte fulminante, morre o marido, sr. Herculano Sampaio Alves. Dona Ludmília, apavorada liga para o Orestes , que tomou todas as providências, isso depois depois de muito choro e ranger de dentes da parte dele, afinal havia morrido um seu amigão.
No velório e posteriormente no enterro , Orestes era o que mais chorava, no sepultamento fez um breve porém emocionante discurso enaltecendo as virtudes do falecido. Claro que tudo soava falso, alguns até se entreolhavam com um mal disfarçado sorriso no canto dos lábios.
Naquela noite , Orestes alegando muito cansaço quebrou a tradição de décadas e não foi à casa da Lud. Nem na outra , nem na outra, nem nunca mais e até hoje,decorridos muitos anos os dois continuam a morar no bairro e pouco se falam, quando se encontram por acaso é no cemitério da Quarta Parada, nas datas que lhes são caras, para levar flores ao túmulo do Herculano.
As conclusões diante do sucedido ou melhor do não sucedido, saíram aos borbotões, porém nada que explicasse aquela situação.
Quem explicaria? Freud? sabe-se lá. Voces caros leitores e amigos, estejam à vontade, pensem , concluam e se puderem mande comentários e desculpem esta história não ter tido uma moral final ou um final feliz, bem ela ainda não terminou, os dois estão vivos e apesar dos seus mais de 80 anos, estão fortes e sadios, tristes , mas fortes e sadios e se um dia essa história tiver uma conclusão eu os aviso.
Ah ! converso com os dois , mas cá entre nós , isso não é coisa que se pergunte, né meu.
Já que citamos a nossa querida Música Popular Brasileira, Orlando Silva ajoelhou aos pés da Santa Cruz e cantou o que o físico francês Blaise Pascal e Marino Pinto e José Gonçalves haviam escrito, que o coração tem razões , que a própria razão desconhece !
JAYME ANTONIO RAMOS
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