Por Vitor Hugo Silva Leite (Advogado do Escritório Bessa Advogados, Pós-graduando em Direito Civil e Direito do Consumidor)
Entrou em vigor, em maio de 2013, o Decreto nº 7.962/13, que traz novas regras relativas ao comércio eletrônico.
Conforme abordado em outra oportunidade, na revista Consultor Jurídico, ao falar de litígios decorrentes de
compras coletivas (link:
http://www.conjur.com.br/2011-dez-01/sites-compra-coletiva-sao-febre-pais-justica-tenta-adaptar), o consumidor necessita de proteção rigorosa e específica em suas relações.
Verifica-se, da leitura do artigo 1º, a preocupação do legislador com a parte geralmente mais frágil nos negócios jurídicos, frente a fornecedores de produtos e/ou serviços, ante o fato de se tratar de contratação realizada fora do estabelecimento comercial. O objetivo da nova norma é trazer dispositivos que possibilitem colocar o consumidor em patamar de igualdade frente ao fornecedor, visando uma relação desprovida de qualquer desigualdade. O artigo em questão traz as diretrizes do novo mandamento, que são:
- fornecimento de informações claras a respeito do produto, do serviço e do fornecedor;
- atendimento facilitado ao consumidor e;
- respeito ao direito de arrependimento.
É de se observar que a nova estrutura legal não visa proteger apenas o consumidor. O fornecedor que atender as regras certamente estará num patamar diferenciado no mercado, pois, havendo mais segurança, de um modo geral, o consumo cresce.
O texto do Decreto é inteligível e, consequentemente, de possível e fácil cumprimento. Antes mesmo da promulgação do Decreto, muitos
sites já disponibilizavam as informações e cumpriam os demais requisitos, porém, agora, as exigências não são meras liberalidades.
Não há mudança significativa no tema, pois é certo que o Código de Defesa do Consumidor (“CDC”) e o Código Civil já trazem disposições que abarcam situações análogas, talvez não de forma tão específica, mas genérica. Além disso, na conclusão de qualquer contrato ou negócio jurídico, deve-se observar os princípios da boa-fé objetiva e função social do contrato, o que, por si só, já teria o condão de que se verificassem as normas recém-promulgadas.
De tal forma, não é errôneo afirmar que a legislatura minuciosa decorra de nossa errônea cultura social e jurídica, que vai muito além do positivismo brasileiro, do agir apenas de acordo com aquilo que a lei não veda.
Necessário se atentar que a noção de consumidor, hoje, para o Superior Tribunal de Justiça, vai muito além do previsto no art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Conforme expôs a Ministra Nancy Andrighi, no Recurso Especial nº. 476.428-SC, “
a relação jurídica qualificada por ser “de consumo” não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus polos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro”.
De tal forma, maximizando-se a gama do que, ou de quem, é reconhecido por consumidor, necessário se faz, ainda mais, a estreita observância das regras trazidas pelo Decreto.
A primeira modificação vem prevista no artigo 2º, que cria a necessidade de disponibilização, por
sites ou demais meios eletrônicos, de algumas informações imprescindíveis à realização do negócio jurídico, que facilitem a vida do consumidor, em local de destaque e de fácil visualização.
Os
sítios eletrônicos devem conter o nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no CPF ou no CNPJ, endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato.
O legislador pátrio, seguindo o disposto no art. 6º, III, do CDC, determina o dever de se inserir no
site informações gerais sobre o produto; discriminação no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias; condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.
Sobre os sites de compras coletivas, que decerto é o seguimento que mais impulsionou o crescimento do
e-commerce, e, de forma geral, tem recorrência maior de litígios, tem-se regras mais específicas ainda:
quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato;
prazo para utilização da oferta pelo consumidor; além da identificação eficaz do hospedeiro e do fornecedor do produto ou serviço comercializado.
A mudança, nesse passo, é de suma importância, contudo, reitera-se que ainda há necessidade por parte do
site, que hospeda a oferta, de verificar a possibilidade de cumprimento do que foi posto à venda. Imprescindível ser vigilante no que se refere aos produtos e serviços postos na vitrine virtual, não só para proteção do consumidor, mas, também, para se resguardar, ante a possibilidade de caracterização de responsabilização solidária.
O art. 4
º determina seja apresentado, por se tratar de contrato de adesão, na forma do art. 54 do CDC, sumário da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos, em estreito cumprimento aos artigos 6º, inciso IV, 46, e 54, § 4º, do CDC, além do que dispõe a Lei 11.785/08.
Ainda, o mesmo artigo traz a obrigação de:
- fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação; confirmar imediata do recebimento da aceitação da oferta;
- disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação;
- manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato, devendo ser atendida em 5 dias;
- confirmar imediatamente o recebimento das demandas do consumidor referidas no inciso, pelo mesmo meio empregado pelo consumidor;
- utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor.
Acerca dos dados fornecidos por consumidores, importante destacar que, como se sabe, a disponibilização de informações fornecidas a terceiros, sem prévia autorização, fere expressa norma contida na Constituição Federal, no que tange ao direito à intimidade.
Adiante, o art. 5º do Decreto, traz a necessidade de informação quanto aos meios de arrependimento, que, em regra, deve ser exercido no prazo de 07 dias, a contar da assinatura ou do recebimento do produto ou serviço, sem qualquer justificativa na forma do art. 49, do CDC, que devem ser inseridas de forma clara e ostensiva, a fim de não criar obstáculos, e, ainda, que o exercício do direito implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o desistente.
Caso opte o consumidor pelo pagamento por cartão de crédito ou meio similar, o fornecedor deverá comunicado imediatamente à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar o arrependimento, para que não lance a transação na fatura do consumidor ou realize o estorno do valor.
Quanto à ferramenta utilizada para o exercício do direito de desistência, particularmente, não se vislumbra utilidade para a primeira parte do parágrafo 1º, vez que traz a faculdade (pela inserção do verbo
“poderá”), ao invés do
dever, de se valer o fornecedor da mesma ferramenta utilizada para a contratação. Nesse diapasão, creio que o único ponto importante seria inserir que não haverá despesa ao consumidor quando do exercício do direito, independentemente do meio utilizado para tanto.
Adiante, o artigo 6
o dispõe que nas contratações dever-se-á observar o cumprimento das condições da oferta, com a entrega dos produtos e serviços contratados, observados prazos, quantidade, qualidade e adequação. Tal norma rema no mesmo sentido, como já se advertiu, dos sistemas do Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. Exemplificando, quanto à oferta, veja-se o art. 30 e seguintes, do CDC.
Por fim, adverte, desnecessariamente, o Decreto que a infringência das normas sujeita o infrator às sanções administrativas previstas no CDC.
Temos, de tal forma, a promulgação de normas rígidas e plenamente aplicáveis, que tendem a auxiliar cidadãos, autoridades e operadores do direito no combate a ilicitudes, em se tratando de demandas que decorram do comércio eletrônico.
Repita-se, a lei não beneficiará somente o consumidor. O fornecedor, além de não se sujeitar a multas administrativas e demandas judiciais, terá maior procura (ao menos, é o que se espera), pois é inegável que o consumidor se sente mais seguro em consumir daquele que segue a lei à risca. Existindo maior lealdade por parte do consumidor, para que a lei atinja não só interesses próprios, mas, sim, um fim social, haverá diminuição de informalidades, quiçá ilegalidades.
Aliás, o combate à informalidade é e permanecerá difícil, motivo pelo qual problemas advindos do comércio eletrônico não residem somente na regulamentação do tema. Contudo, o Decreto já é um avanço.
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