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Moradores de Rua


Moradores de rua
Revista “MUNDO e MISSÃO” entrevistou Pe. Júlio Lancellotti e conversou com ele sobre sua atividade com o “povo da rua”. Ele nos recebeu no centro Comunitário “S. Martinho de Lima” situado embaixo do Viaduto Guadalajara, na confluência com a rua Alcântara Machado, no bairro de Belém, em São Paulo. Ali se dirigem sempre centenas de moradores de rua, são distribuídas por dia de 430 a 450 refeições, ali eles encontram instalações sanitárias, que a cidade não oferece, e a possibilidade de tomar um banho.
Ali se realiza também o “projeto bolsas”, no sentido que é oferecida a possibilidade de tomar três refeições por dia e de receber uma remuneração em dinheiro a pessoas que se comprometem a prestar serviços dentro da instituição. O objetivo desse projeto seria preparar essas pessoas que estiveram muito tempo na rua para a ressocialização. Conversamos com o Pe. Júlio e com os senhores Antonio Carlos de Araujo e Sebastião Nicomedes de Oliveira, coordenadores do movimento de defesa da população de rua.
Apresentamos hoje a entrevista com o Pe. Júlio Lancellotti
Alberto Garuti
Revista “MUNDO e MISSÃO” - O que se entende com a expressão “Povo da rua”?
Pe. Júlio - Povo da rua não representa um grupo homogêneo e sim bastante heterogêneo. O grupo compreende pessoas de diferentes faixas etárias, é composto por homens e mulheres, famílias inteiras, pessoas idosas, doentes, pessoas desempregadas até com curso superior, outras com dependência de alcoolismo ou de drogas. Digamos que é uma população bastante heterogênea que numa sucessão de perdas acabou vivendo nas ruas da cidade.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - Todos dormem nas ruas?

Centro Comunitário S. Martinho de Lima, embaixo do viaduto Guadalajara, no bairro do Belém, em São Paulo
Pe. Júlio - Uma parte já dorme em albergue. Existe uma caminhada de muitos anos no sentido de conseguir algumas políticas públicas em favor dessas pessoas. Hoje, de cerca de 12 mil que existem na cidade de S. Paulo, 7 mil dormem em albergues. Os outros 5 mil dormem nas ruas.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - Nenhum deles tem trabalho fixo?
Pe. Júlio - Vários têm. Agora conseguimos iniciar uma frente de trabalho para 500 pessoas, há outros em outro projeto de agentes comunitários de saúde, uns fazem bicos, outros são catadores. Alguns cuidam de carros. Tem também uns que não têm condicões de trabalhar, outros pedem dinheiro, muitos vivem numa verdadeira situação de penúria.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - O que seriam as frentes de trabalho?
Pe. Júlio - A frente de trabalho é uma emergência de trabalho para nove meses oferecida pelo governo estadual ou municipal a um grupo desses moradores de rua. Eles têm um contrato como bolsistas.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - Quem paga?
Pe. Júlio - O governo. Nós vamos completando com a capacitação profissional e vamos ajudando na colocação em postos fixos de trabalho. È um grande desafio.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - Poderia dizer-nos quais são os objetivos da pastoral do povo da rua?
Pe. Júlio - O principal objetivo é o religioso e seria o de formar comunidade com essas pessoas. Celebrar, vivenciar com eles a sua fé. Nós pensamos que não é suficiente dar ao povo da rua comida ou roupa velha, aquela que nós não usamos mais. É preciso dar-lhes dignidade. Por exemplo, nós temos a casa de oração do povo da rua. É uma experiência que dura há mais de 30 anos. Atualmente a casa de oração do povo da rua está no bairro da Luz e foi construída por Dom Paulo Evaristo Arns com o prêmio que recebeu dos budistas.

Refeitório do centro comunitário
Ele recebeu o prêmio do “ano da paz” e com esse prêmio construiu essa casa. Lá nós temos a escola do serviço do Senhor, estudos bíblicos, formação bíblica, celebrações litúrgicas, o ofício divino da comunidade. Lá nós programamos missões que são feitas na rua, celebrações muito grandes como a da sexta-feira santa, quando nós fazemos uma caminhada pelo centro da cidade, a Via Crucis (que a imprensa tem divulgado muito), temos a celebração do tríduo pascal. Temos o objetivo de confirmar a fé desse povo, muitos são crismados, batizados.
Na casa se faz o anúncio explícito da palavra, uma celebração que é feita a partir deles, com eles e por eles. Não é uma liturgia de cima para baixo, é uma liturgia preparada em conjunto. Também na casa de oração do povo da rua temos a articulação para conseguirmos políticas públicas para eles. Ali se reúne o fórum das entidades que trabalham com o povo da rua num trabalho verdadeiramente ecumênico. Juntando todas essas entidades, podemos contar mais que vinte.
Sempre nessa casa surge o apoio ao movimento dos próprios moradores de rua:
- ali eles se organizam num movimento próprio, liderado por eles mesmos.
Então a pastoral tem esses objetivos:
- primeiro pastoral no sentido de construção de comunidades e trabalho no sentido político-social para construirmos políticas públicas para que a população de rua tenha sua cidadania resgatada: pressionar para que as autoridades resolvam o problema.
Nós temos a lei n.º 2316 conquistada também nesta luta contínua da população de rua, lei que está em vigência, foi regulamentada. Agora precisamos que seja vivenciada e colocada em prática na sua totalidade.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - O que as autoridades deveriam fazer para o povo da rua?

Sebastião Nicomedes de Oliveira e Antônio Carlos de Araujo, coordenadores do movimento de defesa da população da rua
Pe. Júlio - O que precisamos ter são políticas públicas conforme a lei n.º 2316, que cheguem rapidamente à vida dessas pessoas, assim que eles chegam às ruas. Seria a criação de espaços de acolhimento, espaços de prestação de serviço, moradia provisória, aluguel social, cooperativas de trabalho: todas questões que a própria lei propõe como necessárias para que a população da rua possa ser atendida nas suas necessidades.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - Seria uma política para que eles possam ter uma casa?
Pe. Júlio - Para que eles possam ter acesso à moradia, a esse respeito há toda uma caminhada a ser feita. Isso exige um processo socio-educativo. Isso não acontece de repente. Quem mora na rua perdeu muita coisa, inclusive perdeu a referência da casa. Para eles viverem numa casa, no começo, é como para nós vivermos na rua. É difícil. É preciso que haja um processo socio-educativo. Por exemplo, que comece com moradia provisória, com aluguel social. É preciso fazer um acompanhamento. É um processo de construção.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - O sr. Poderia explicar o que significam “moradia provisória” e “aluguel social”?
Pe. Júlio - Moradia provisórias são casas onde moram grupos, pequenos grupos que são encarregados de fazer a comida, de cuidar da casa, de se organizar, de poder ter um trabalho. Nisso eles são acompanhados. Aluguel social acontece quando eles alugam um lugar e a prefeitura ou o estado pagam parte desse aluguel. A outra parte é paga por eles.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - O objetivo da pastoral do povo da rua é ajudá-los a sair da rua ou a viver dignamente enquanto estão dentro da pastoral do povo da rua?
Pe. Júlio - É viver com dignidade sempre, ou na rua ou fora da rua.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - Isso implica também em ajudá-los a resolver suas situações e a saírem da rua?
Pe. Júlio - O importante é a pessoa. Não adianta eu ir com meu plano na cabeça. Eu tenho que fazer todo um trabalho com eles de vínculo, de confiança, de respeito, para que eles se mobilizem e também é bom saber que alguns vão demorar muito para se mobilizar. Tem alguns que não irão se mobilizar. È preciso ter compaixão e misericórdia. A nova encíclica do papa Bento XVI “Deus é amor” apóia muito o que a gente está fazendo. E nós estamos muito bem nesta encíclica.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - Quais são os problemas que mais freqüentemente o sr, encontra lidando com essas pessoas?
Pe. Júlio - Encontramos o problema de pessoas que têm uma sucessão de perdas muito grande, de destruição da dignidade, da auto-estima, da auto-imagem. Trata-se de pessoas que são muito lesionadas. Você tem que olhar para eles e ver como olhar para o Cristo da sexta-feira santa e enxergar nele o Cristo da Páscoa. É preciso um olhar de fé e um desafio muito grande, esse trabalho exige uma paciência histórica muito grande.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - Quais são as pessoas que trabalham na pastoral da rua?
Pe. Júlio - São agentes de pastoral. É um conjunto muito grande de pessoas que inclusive discutem quotidianamente os seus desafios. São coordenadores dos projetos onde estão inseridos. Cada projeto tem sua coordenação.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - As autoridades estão querendo fazer alguma coisa para eles?
Pe. Júlio - Eu acho que sim. A questão é que há muitos interesses. Por exemplo, o interesse de limpar a cidade, de revitalizar o centro da cidade e o interesse de que essas pessoas saiam dessas regiões.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - O que o sr diria a respeito daquela expressão “Prática higienista” que foi usada no famoso artigo e foi atribuída ao senhor?
Pe. Júlio - Seria higienização, vontade de limpar a cidade. Uma limpeza social. Tirar os pobres, escondê-los. Fazer alguma coisa para que eles saiam da vista. Não atender aos problemas deles, mas somente aos problemas da cidade. Ter uma cidade bonita para o turismo, para os visitantes. Uma cidade que não tenha os pobres, pois a cidade não os tolera. Prática higienista do centro seria colocá-los longe do centro. O problema da rampa na avenida Paulista afastou os moradores que dormiam ali, mas criou um outro problema. Eles terão que ir dormir em outro lugar.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - Lembra alguns casos particulares dessas pessoas?
Pe. Júlio - Cada um é uma história, uma história humana, de emoções, de perdas, de sofrimento. As histórias são das mais variadas. Há pouco tempo teve um que morreu perto daqui, ele era um metalúrgico, depois foi dono de um bar, teve uma série de problemas e foi parar na rua. Nós não fazemos um juízo moral dessas pessoas.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - Há uma relação entre o uso da droga e o povo da rua?
Pe. Júlio - Nós não podemos relacionar diretamente povo da rua com uso das drogas. Não é o, povo da rua que assalta. Se há pessoas do povo da rua que assaltam ou que usam drogas, isso é outra questão que deve ser tratada separadamente. Nós não podemos dizer: o povo da rua é ladrão, o povo da rua usa drogas.
Revista “MUNDO e MISSÃO” - Qual seria sua tarefa como vigário episcopal do povo da rua?
Pe. Júlio - Minha tarefa é trabalhar com uma equipe, coordenar essas ações,dialogar com os poderes públicos, com a sociedade, coordenar as grandes ações, não os projetos. Os projetos têm seus coordenadores. Ter a visão do todo, de uma política pública para essa população e também garantir um espaço de celebração da fé desse povo.
PIME-Net
São Paulo
Previsão para 20 de Março

19.º/32.º
Segunda-feira de sol e nebulosidade variada com pancadas isoladas de chuva
Probabilidade de chuva: 70 %
Volume estimado: 05 mm
Boletim Solar
20 Mar. 0903 - UTC

Ocorrência de fracas tempestades
solares.

Face Ocidental
A animação ao lado
mostra a sequência das
últimas 5 imagens em
infravermelho enviadas
pelo satélite GOES-12.

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