Matéria extraída do site S.Paulo, minha cidade.
Pra quem tem família em São Paulo há mais de oitenta anos, certamente já teve, ou pelo menos ouviu alguma boa estória que envolvesse parentes ou amigos de familiares com a revolução de 1932, ou a de 1924, menos comentada.
Desde minha infância sempre gostei muito de história e feitos militares. Minha avó, falecida em 2004, com seus noventa anos, vez ou outra me contava passagens de nossa família com esses eventos, que tanto marcaram os paulistas e paulistanos em suas épocas.
Contava ela que a revolução de 1932 envolveu demais os paulistas. Seu irmão mais velho, então com vinte anos e primogênito de uma extensa família de outros oito irmãos, engajou-se nas forças revolucionárias de São Paulo a fim de lutar pela constituição... isso naturalmente contra a vontade de minha italiana bisavó. Na possibilidade de ver morto seu primeiro filho e em completo desespero, insistentemente pedia a meu bisavô que tomasse alguma providência. Bem, o fato interessante é que meu bisavô resolveu ir conversar com o General Klinger, chefe supremo das forças revolucionárias, e pediu ao General que trouxesse seu filho de volta. Surpreendentemente assim foi feito! General Klinger mandou que procurasse o jovem Antonio na frente de batalha e, dias depois, para conforto de minha bisavó, seu filho era trazido (contra sua vontade, diga-se), de volta a sua presença.
No dia seguinte ao feliz encontro, o jovem foge de casa, e volta ao campo de batalha, envolvido que estava pelo espírito da revolução. Felizmente, e para tranquilidade de toda família, ele nada sofreu, retornando a sua casa meses depois, são e salvo.
Outro evento muito marcante na vida dos paulistas, em especial dos paulistanos, foi a revolução de 1924. Nessa época, minha avó, com dez anos de idade, morava com seus pais e irmãos no bairro do Brás. Como boa parte dos combates entre as forças revolucionárias e legalistas ocorreram dentro da cidade, muitos bairros, como, por exemplo, a Mooca, o Brás ou Santana, ficaram em meio ao fogo cruzado. Contava minha avó que no quintal de sua casa ouviam-se zunidos de balas que por ali passavam.
Em um desses dias, meu bisavô, descansando em casa, recebe a visita de um desesperado amigo, dizendo que seu taxi, estacionado em manutenção em uma oficina nas imediações da Praça da Sé, estava sendo requisitado para uso pelas forças revolucionárias. Desesperado, meu bisavô vai até lá e, com surpresa e tranquilidade, descobre que o dono da oficina negara a entrega do automóvel, dizendo que o mesmo não tinha qualquer condição de transitar, pois tinha o motor gravemente avariado. Na verdade era um problema pequeno, rotineiro, mas o dono da oficina era amigo de meu bisavô e sabia que aquele era seu único bem e única forma de sustentar sua numerosa família.
Bem, meu bisavô decide que não era nada seguro permanecer na cidade com seus, naquele momento, seis filhos pequenos. Como seria um risco muito grande transitar com o automóvel pelas ruas, arruma uma carroça, coloca alguns pertences e seus filhos nela, tranca sua casa e vai se abrigar na casa de um irmão na cidade de Jundiaí! Fico imaginando, naqueles distantes anos, como foi chegar em Jundiaí de carroça com aquelas crianças...
Passados alguns dias e findos os combates, volta a sua casa. Para sua tristeza, percebe que a porta está arrombada. Ao entrar, vê a mesa de jantar elegantemente arrumada, como se alguém os esperasse para o almoço. Um detalhe chama sua atenção: os pratos estão todos cobertos por outros pratos, como se faz quando não se quer que a comida esfrie.
Infelizmente, não era comida que havia nos pratos, mas... excrementos humanos! Nas paredes, todas pichadas e sujas também com excrementos, mensagens pouco educadas de soldados das forças legalistas, que por ali haviam passado e saqueado seus poucos bens.
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