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Homanegem ao barbeiro do Pari


Homenagem ao Pari - Antônio Ganzarolli relembra a época como barbeiro

Coluna Entrevista / Edição 49 
Autor: Mariana Lizott
 
Sua fundação remete a 1576, quando os primeiros imigrantes portugueses e bandeirantes se instalaram às margens do Rio Tietê. Usavam um instrumento de pesca que consistia de uma cerca de taquara ou de cipó, estendida de margem a margem principalmente nos rios Tietê e Tamanduateí para pescar peixes, chamadas de pari, daí a origem do nome.
Conheça a história do barbeiro Antônio Ganzarolli, que mora no bairro há mais de 50 anos, e acompanhou muitas mudanças da região.
 


Q: O senhor nasceu na região?
Antônio Ganzarolli:
 Nasci em Araçatuba, mas vim para São Paulo ainda moleque e fui morar na Avenida São João. Minha irmã já morava aqui com os cinco filhos. Vim para a capital há mais de 50 anos. Lembro que minha irmã já falava que ia no bairro do Pari cortar cabelo com o seu Henrique. Eu, molequinho, nem sabia que aqui era o Pari. Nunca pensei na minha vida que eu ia virar cabeleireiro.

Q: Como o senhor aprendeu a profissão de barbeiro?
AG:
 Meu irmão era barbeiro e eu trabalhava num bar. Ele falou pra mim, “Toninho, como você não tem estudo, se você continuar trabalhando em bar você nunca vai ganhar nada na vida. Porque dinheiro pra comprar um bar você não tem, e como empregado você vai ganhar uma mixaria. Na profissão de barbeiro você não vai ficar milionário, mas vai sempre ter dinheiro no bolso”.
Comecei a aprender desde pequeno, naquele tempo não existiam escolas profissionalizantes. Eu aprendi olhando. Ficava perto do profissional e só analisava. Via como faziam a barba e como cortavam o cabelo. Eu estava sempre do lado dos profissionais aprendendo.
Depois de um tempo eu comecei a fazer barba, que era mais fácil e depois passei para o corte de cabelo. Fazia buraco na cabeça dos clientes de monte. Saiam com mais buraco do que cabelo. Mas fui aprendendo. Trabalhei uma parte com meu irmão, na Avenida Celso Garcia. Ele acabou saindo para ir trabalhar em outro lugar, e o dono quis que eu continuasse trabalhando com ele, porque eu era muito prestativo. Ele falava que se eu saísse  de lá, eu iria fazer muita falta, porque eu era muito esperto.
Depois ele vendeu o salão e eu fui trabalhar na Rua dos Protestantes. Fui trabalhar lá já como barbeiro, isso com 14 anos.

Q: Aquela época a profissão de barbeiro era bem diferente da atual, mudou muito?
AG:
 Agora não se faz mais barba. Antes você cortava cinco barbas para cortar um cabelo. Agora você fica até um mês sem fazer, porque inventaram muitas coisas para fazer a barba, e a pessoa prefere fazer em casa. Um ou outro vem fazer a barba ainda, mas é muito difícil.
Naquela época não vinha mulher, era mais homem. Tinha praticamente só um cabeleireiro que cortava cabelo de mulher, o seu Henrique, que minha irmã vinha da Avenida São João para cortar com ele.

Q: Seu irmão continuou na profissão de barbeiro?
AG:
 Continuou, mas ele faleceu há muitos anos. Na época nos mudamos para Araçatuba, porque ele viciou em jogo de cavalo. Naquela época se usava muita roupa branca e ele tinha uns 12 ternos brancos. Quando ele começou a viciar no jogo ele vendeu quase tudo. Ai minha mãe nos levou para lá, para morar com a mãe dela. Ficamos uns 15 dias e já quisemos voltar para São Paulo. Minha mãe falou que nós podíamos ir, mas que ela não iria junto. Ela falou assim porque ela sabia que a gente não ia deixá-la em Araçatuba.

Q: Como você conheceu sua esposa?
AG: 
Em Araçatuba tinha duas irmãs, e meu irmão começou a namorar uma. Mas aquele tempo era diferente, os meninos não ficam sozinhos com as meninas. Se fosse no jardim você tinha que ir com seu irmão menor ou com sua irmã. Alguém tinha que estar junto. Quando meu irmão começou a namorar a irmã dela ia junto. Um dia ele falou pra mim, “Toninho, você pode fazer um favor para mim? Você vai conversando com a irmã dela, para distrair, porque ela não larga o braço da irmã e não podemos conversar a sós”.
Eu não queria porque eu já tinha uma namoradinha, mas ele falou que não era para eu namorar ela, era só para deixar ele conversar com a irmã. Moral da história, ele casou com ela e eu casei com a irmã. Ele teve cinco filhos e eu quatro.

Q: Você acabou voltando para São Paulo?
AG:
 Sim, depois minha irmã veio falar para eu voltar para São Paulo, que eu estava perdendo tempo lá, que eu não tinha o que fazer em Araçatuba. Aí acabei voltando, pedi para o meu sobrinho arrumar um salão e eu vim para o bairro do Pari.
Vim para cá e deu certo. Trouxe a família toda, meus filhos ainda eram pequenos.
Depois um sobrinho meu acabou indicando outro salão para trabalhar, aqui no Pari mesmo, na Rua João Teodoro.
Foi ali que eu conheci a turma da Tostines, Seu Pires, que era o dono, seu Gonçalo, que era sócio, o Agripino e o Dr. Raul, filhos do seu Pires. O seu Agripino até hoje vem cortar cabelo comigo, ele mora há 100 km de distância, mas mesmo assim não deixa de vir.

Q: Os seus filhos trabalham com o Senhor? Quem está cuidando do salão hoje?
AG:
 Meu filho, o Ricardo, estudou muito para se tornar cabeleireiro, diferente de mim na época. Hoje é ele quem cuida do salão, ele já fez o nome dele. Eu o ensinei a bater tesoura. Ele ficava também vendo e acompanhando meu trabalho.
Quando ele era mais novo, ele vinha para o salão depois do expediente, porque ele dizia que eu saia muito cedo, aí ele vinha para cortar o cabelo dos amigos e acabava cortando o cabelo dos meus clientes.
Depois de um tempo ele começou a trabalhar comigo. Ele não sabia fazer barba, só sabia cortar cabelo. Aí eu tive um derrame e os médicos falaram que eu não ia trabalhar mais, queriam me aposentar. Isso faz mais de 20 anos. Voltei a trabalhar, mas eu já tinha dado o salão para o Ricardo.
Minha filha mais velha, a Marli, morava em Sorocaba, e ficou viúva, com dois filhos. Tivemos a ideia de trazer ela para cá para trabalhar em São Paulo, eu ia até tentar arrumar um emprego na Tostines, mas meu filho quis que ela viesse trabalhar no salão. Eu falei, imagina, ela não sabe fazer nada, vai vir fazer o que? Ai ela começou a aprender, a pintar cabelo, fazer luzes. E deu certo, agora ela está com uma clientela tremenda. Fazem cerca de 26 anos que ela trabalha com a gente. Já o filho do meio, o Ivan se aposentou no banco. O outro filho faleceu horas depois de nascer.

Q: Como era o Pari naquela época?
AG:
 O bairro era um espetáculo. Era uma amizade muito grande e tinha muita gente boa. Não tinha esse pessoal que ficava na nossa campainha toda hora, pedindo coisa. Hoje tem muitos maloqueiros, drogados e bêbados.
O bairro mudou demais, mas eu gosto muito daqui. Minha mulher não sai daqui de jeito nenhum. O Pari é uma coisa extraordinária. 
O jardim na frente da Igreja era lindo, as famílias traziam as crianças para brincar, as cadeiras e passam o dia ali. 
Depois o bairro começou a mudar, começou a aparecer, bêbados e drogados e não tem mais criança brincando na rua. Mas quem mora aqui é difícil sair. Só está saindo porque o bairro está mudando muito. A maioria foi para os bairros vizinhos, que nem a Vila Guilherme.
Antes da Tostines, tinha muitas casas térreas, e muitos moradores, quase todos nortistas. A maioria deles vinha cortar cabelo comigo. Eu tinha uma freguesia tremenda lá. 
Aí a Tostines comprou todas essas casas e demoliu tudo. Os nortistas sumiram e, só de uma família eu perdi sete clientes.
Aquele tempo quase não tinha barbeiro. Tinha o nosso e um outro próximo do Largo da Concórdia. Hoje tem salão em cada esquina.

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