Ele é considerado até hoje um dos maiores jogadores de todos os tempos do futebol brasileiro. Enéas morreu jovem, com apenas 34 anos, no ano de 1988. Dono de um estilo refinado de jogar, Enéas ganhou de seu biógrafo o título de "Deus Negro". O autor do livro "Rei Enéas – Um gênio esquecido" (Editora Expressão & Arte, 2008), que resgata sua curta trajetória de vida é Luciano Ubirajara Nassar, um apaixonado pelo futebol (na escrita e na prática, porque foi um ex-jogador). Uma obra desconhecida do grande público, talvez por conta da tal "falta de memória" do torcedor brasileiro com seus maiores ídolos. Talvez, porque Enéas passou tão rápido por essa vida.
Literatura na Arquibancada resgata dois trechos fundamentais da obra de Luciano Nassar: o prefácio, assinado pelo próprio autor e o capítulo referente à trágica morte de Enéas.
Prefácio
Por Luciano Ubirajara Nassar
Um livro simboliza o todo em um parágrafo. O livro dá a eternidade ao biografado, ao escritor, ao povo e à pátria brasileira e universal. O livro se perpetua principalmente quando o escritor compreende as funções dos espíritos, das almas, dos profetas e da ciência. A emotividade e a racionalidade se unem em um oceano de conhecimento. O sentimento esmaga a prepotência, fazendo surgir um novo Brasil.
Ninguém escreve um livro por escrever. Não se denomina, nem se adjetiva um livro, muito menos se coloca um laço no espírito do livro e o prende no território do desejo de alguém. O livro é um vulcão e um furacão. Destina-se a melhorar e elevar o ser humano. Existem três formas e métodos de se fazer uma biografia: 1ª. Criar detalhes, pormenorizar, escandalizar e se posicionar no campo dos burgueses colonizados, correndo para ser um "best seller". 2ª. Trabalhar com idealismo e verdade. 3ª. Ser frio e irracional. Eu escolhi com convicção o idealismo e a verdade, e me orgulho disso.
Quem tem cérebro que o use, quem tem boca que fale e quem tem coração que o faça bater. Considerar e conhecer a história dos homens que lutaram por nós é nossa obrigação. O amor ao povo brasileiro se multiplica na medida em que você se entrega à leitura e à proposta do livro. Um livro não precisa de autorização para livrar o mundo da ignorância.
Este livro fala do genial jogador de futebol, Enéas. Brasileiro dos pés à cabeça. Através do futebol se pensa a vida, os sonhos, os destinos humanos, a tragédia, a dor, o esquecimento e tudo que se relaciona ao entendimento de nós mesmo e dos outros. O futebol não isola os homens, muito pelo contrário, aproxima-os. Enéas construiu sua história com talento e dor. E nós também estamos construindo a história do Brasil.
Um livro se faz com a opinião e a determinação do autor. Apenas quem escreve é que pode classificar a sua obra. O sentir e o pensar formam um ideário de esclarecimento sobre a sociedade, o homem e a sua sobrevivência. O Brasil compõe peça por peça o seu caminho de fibra e luta. O historiador deve sair da gaveta para pensar, escrever e falar, objetivando encontrar nos heróis o seu verdadeiro semblante. Heróis que gostam e sentem o povo.
Influências estrangeiras que desvirtuam e maltratam a obra nos impondo um método de trabalho devem ser evitadas e ignoradas com convicção.
O Brasil e os brasileiros são inteligentes e sensíveis. É necessário que nós compreendamos mais a nossa realidade com relação aos ídolos do esporte. Riscar e encobrir a história do Brasil é deixar de ser brasileiro e entregar-se a uma visão estapafúrdia, elitista e irreconhecível do ser humano.
Éneas e sua memória correrão campos e montanhas verdejantes. E sempre irão comentar e falar sobre os seus gols incríveis, suas jogadas geniais e seu sentimento puro e humilde para com o povo brasileiro que ele tanto amou. Não se deve escrever um livro pela vaidade ou pela possibilidade de sucesso. Isso significa render-se ao mercado.
Vamos trabalhar pelo nosso país. Simples não é? Enéas com as suas passadas largas, seus dribles sensacionais e seus gols de arte, deve estar sorrindo.
Tudo pelo Brasil!
Morte
Sua morte dramática foi inacreditável. Um jovem de 34 anos morto tragicamente. A sua morte prematura encerra um ciclo no futebol brasileiro. A geração de ouro cresceu na sua época. Enéas tinha uma torcida própria, que eram os torcedores de todos os outros times. Todo torcedor no seu íntimo sonhava em ser um gênio da bola como Éneas. Querido por todos, ele era uma espécie de aglutinador de todas as torcidas.
A Portuguesa de Desportos representava uma nave espacial dourada que fazia com que todos os apaixonados por futebol imaginassem que Enéas, um dia, jogaria nos seus times. Era bom pensar nisso, todos sonhavam juntos por Éneas. Sua morte deixou um vazio e uma cratera no sentimento do povo. Éneas sofreu um gravíssimo acidente na Avenida Cruzeiro do Sul no dia 22 de agosto de 1988. O seu carro, um Monza, se chocou contra a traseira de uma carreta Scania.
Enéas sofreu traumatismo craniano e ferimentos em várias partes do corpo. Ficou na UTI em estado de como durante 15 dias, obteve uma ligeira melhora, mas não resistiu. Depois de quatro meses lutando e sofrendo para recuperar os movimentos, a memória e a fala, faleceu no dia 27 de dezembro de 1988 de bronco-pneumonia e luxação cervical.
Enéas foi enterrado no cemitério da Quarta Parada. Perdeu-se o homem bom, carinhoso, amigo de todos, digno e brincalhão, deixando sua filha Renata do primeiro casamento e Rodrigo, filho do segundo casamento. Seus dois filhos, em 2008, lembram do que viveram juntos e cada um registra seu sentimento. A filha Renata diz: "É o meu ídolo, meu herói". As outras crianças pediam autógrafo e eu me sentia muito feliz vendo como papai era querido. Sempre de bom humor, brincalhão e amigo de todos. Papai ajudava as pessoas e tinha uma humildade fora do comum. Nunca negou nada para ninguém. Sinto muita fala dele, da sua presença e dos seus conselhos. Meu pai representa um sonho para mim. Apesar do pouco tempo que convivemos, as lembranças alimentam minha vida e de toda a minha família".
O filho Rodrigo fala: "Vivi apenas oito anos com meu pai, mas esse curto período ficou marcado em minha memória e no meu coração para sempre. Ele era um pai carinhoso, brincalhão e o meu melhor amigo. Papai sempre me ensinava o que era certo e me mostrava o caminho da dignidade. Uma das coisas que aprendi com meu pai e que todas as pessoas deveriam seguir é respeitar o próximo independente da sua raça, sexo, religião e condições financeiras. Lembro perfeitamente do carinho que os fãs tinham por papai. E ele sempre atendia a todos sorridente, dando autógrafos e tirando fotos. Isso explica por que todos os torcedores de outras equipes também o admiravam. Lamento muito por ter visto pouco meu pai em campo, mas cresci ouvindo e ouço até hoje a seguinte frase: "Enéas foi um dos maiores jogadores do futebol brasileiro. No final deste ano completam-se vinte anos que Enéas nos deixou, mas este livro mostra quem ele foi e o que ele representou para o futebol. Obrigado por tudo, papai".
Perdeu-se o jogador. Para muitos, o melhor jogador da história do futebol mundial em todos os tempos. O Deus Negro. Perdeu-se o símbolo. Idealista e defensor dos sofredores e excluídos. Perdeu-se um brasileiro. Engana-se quem pensa que Enéas acabou. Enéas renasce em cada gol de craque e em cada jogada genial que acontece nos campos do Brasil. Enéas está presente em todos os lugares e em todos os momentos.
Sobre Luciano Ubirajara Nassar:
Professor de História, Geografia e Filosofia. Técnico de futebol profissional, palestrante, radialista e escritor. Jogou futebol de salão e futebol de campo profissional durante vários anos. É autor de vários livros, entre eles, "A Enciclopédia de Futebol – Brasil, os melhores jogadores de futebol do mundo", "Julinho Botelho – Um herói brasileiro" e "A saga das mãos" (em parceria com João Carlos Martins, Editora Campus).
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